Autor: Paulo Herculano
A
confissão de Valquíria
Confesso, o crime que não cometi, o que não foi crime, o
que senti, julgue-me se quiser, mas sua condenação nunca chegará a mim. Colocarei
da forma mais intensa, pois me sinto febril ao falar dele, colocarei de maneira
mais exposta, mais exposta do que uma ferida aberta, por todos os nossos beijos
e amassos que foram tantos, mais tantos que ainda posso sentir.
Foi naquela quarta-feira, não a de
cinzas, mas foi em fevereiro. Lembro-me porque na sacada secava os meus cabelos,
com o sol forte em meu rosto, era verão, e eu sorria. Observando aquela bela
cidade, de repente um moço viçoso me avistou ao longe, percebi seu olhar
cativante, não parecia tão forte, mas era bem vestido e tinha charme. Olhei por
alguns segundos, depois virei para outro lado como quem não queria nada,
mexendo os cabelos por causa do nervosismo.
Quando olhei de novo ele já não
estava mais lá, olhei para os dois lados e nada dele, de repente ouvi:
-
Psiu! Intrigada, ainda à procura dele, não olhei logo de cara. Então ouvi de
novo: - Psiu! Olhei para baixo e avistei o moço, com uma das sobrancelhas
levantada e um sorriso formado pelos lábios. Fez sinal para eu descer, e ir ao
encontro dele.
-
Não, não o conheço moço, nem sei de onde tu és?
-
Sou de longe, meu nome não moço, e já sou um homem, me chamo Aurélio, qual é o
seu nome, bela dama?
- Valquíria.
-
Tão bela quanto o nome.
-
Deixe de flertes comigo.
-
Não são flertes, são elogios, pois quando a vi ao longe formosa dama, pensei que
um quadro tivesse sendo exposto na janela dessa casa. Por favor, desça e
converse comigo! Caso contrário teremos que ficar quase aos gritos para
podermos conversar.
-
Está bem, eu vou descer. Passei apressada por minha mãe, acho que ela nem me
viu, ela estava varrendo a casa, cantarolando. Quando eu cheguei na calçada o
encontrei sorridente, de perto ele estava ainda mais elegante, tirou de dentro
do seu terno marfim uma rosa e a entregou para mim.
- A
senhorita aceitaria me acompanhar em um passeio pela cidade?
- Pode
ser, mas vou logo avisando que para mim aqui nada é novidade, conheço cada
canto dessa cidade. Ainda estava com a rosa na mão, a coloquei por trás da
orelha.
-
Cuidado a rosa tem espinhos! Você não tem medo de se machucar?
- De
tanto me arranhar com espinhos já me acostumei.
-
Então, talvez você queira me apresentar algo novo? Algo fora do comum, que
ainda em meus passeios não conheci.
-
Talvez, posso te levar em um lugar que não é muito comum.
-
Que lugar seria esse formosa dama?
- A
cachoeira, que fica um pouco mais adentro da floresta. Vamos? Ele de prontidão
sorriu maliciosamente e disse: - Claro! Ele ainda ofereceu o braço para
acompanha-lo, e eu assenti segurando-o.
Caminhamos bastante, atravessamos as ruas feitas de pedra,
sorrimos para vizinhas desconfiadas, aquelas que amam falar da vida dos outros
e esquecem das próprias vidas. Adentramos na floresta, e em poucos metros já
era possível visualizar a cachoeira, uma beleza extraordinária, com rochas e
água cristalina.
-
Esse lugar é muito lindo. Disse ele admirado e então virou-se para mim e logo
continuou: - Mas nada se compara a sua beleza.
- Já
disse deixe de flertes comigo! Virei de costa e fui caminhando em direção a uma
árvore, era uma mangueira, segurei a ponta dos meus cabelos e sorri, senti o
olhar dele me seguindo, me encostei na árvore, que estava um pouco inclinada.
Seu olhar era de um lobo sedento, como se eu fosse sua presa. Ele veio em minha
direção, seus passos eram lentos, me olhou de cima a baixo, tirou o chapéu e o
lançou para longe, revelando seus cabelos pretos tão brilhantes quanto seu
sorriso. Quando chegou mais perto disparou um beijo fulminante, passando uma
mão pelas curvas de meu corpo, descendo até o fim do meu vestido, levantando-o
e segurando firme minha coxa, enquanto a outra mão se detinha em meus cabelos
ondulados. Nossos corpos estavam quentes e excitados, meu rosto espelhava
prazer, deliberadamente agarrei firme sua costa, enquanto ele se detinha em meu
pescoço e sua mão em meu seio. Ele se afastou um pouco, deslizei minhas em seu
peito, ele me olhou fixamente, ofegante, respirou fundo e disse:
-
Nunca senti tal atração, demasiado desejo é o que sinto por ti.
“Demasiado”, como gostei dessa
palavra e do som que ecoa em mim, o quanto demasiado era o que eu senti. Depois
disso ele me beijou novamente com mesma intensidade, e enfim nos amamos por
horas.
Antes de anoitecer ele já estava
vestindo suas roupas, seu belo terno marfim, e eu rapidamente coloquei o meu
vestido. Arrumado ele olhou para mim e disse:
-
Valquíria, foi muito bom o que tivemos aqui, jamais encontrei tal beleza por
onde andei, mas...
Eu o interrompi pondo minha mão sobre seus lábios, balancei
a cabeça e falei sorrindo:
-
Não se preocupe Aurélio, eu já sei o que você vai dizer, você jamais encontrou
tal beleza, mas apesar de tudo que tivemos, amanhã logo cedo você tem que ir,
eu sou uma bela dama, porém tu és um viajante, não podes ancorar em um porto
só, não é mesmo? Ele ficou espantado com minha reação e até um pouco
envergonhado. Então continuei com um sorriso mais forte:
-
Você é um lobo, e achava que eu era um cordeiro, não meu querido moço do terno
marfim, nós somos dois lobos em uma floresta, e uivamos de prazer nessa tarde tão
bela. Já li várias histórias, já vivi tantas histórias. Podes parti sem culpa
de deixar um coração partido, pois meu está e estará intacto amanhã, apenas
prometa para mim guardar as lembranças dos nossos demasiados beijos e amassos.
������
ResponderExcluirDois lobos...ui
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